DESREGULAÇÃO EMOCIONAL:  O QUE É, CARACTERÍSTICAS, CAUSAS E TRATAMENTO

Como é sua experiência com as suas emoções?

Você já se percebeu inundado por uma emoção (raiva, tristeza, medo), com sensação de descontrole diante de alguma situação adversa?

Já se percebeu remoendo uma emoção por horas ou até dias após algum acontecimento?

Já agiu impulsivamente em resposta a uma emoção e depois se arrependeu? 

Quem nunca alterou ou desregulou uma emoção e agiu por impulso em decorrência de um estado emocional, não é mesmo?

Quando falamos em desregulação emocional, precisamos falar antes sobre a regulação emocional e entender um pouco a respeito do papel das emoções em nossas vidas.

Sobre Regulação Emocional

As emoções possuem funções importantes em nossas vidas, a de nos impulsionar para a ação e garantir as nossas necessidades e a nossa sobrevivência. Alterar uma emoção ou outra, pode ser essencial para situações de ameaças e perigo ou para sinalizar situações de desconforto que precisam ser revistas na vida da pessoa.

Nem sempre agir pela emoção vai trazer prejuízo e outras vezes, não é porque sentimos uma emoção que de fato estamos em perigo. 

E como saber entre uma condição e outra?

A grande questão aqui é sobre regular ou modular a emoção, encontrar caminhos e recursos para voltar ao estado de segurança e redirecionar as ações para o que de fato importa.

Vamos pensar em algumas situações como exemplo:

Exemplo 1. Imagine que uma pessoa ao transitar a noite em uma rua deserta com grande índice de assalto, sinta medo. O medo nessa situação terá um papel fundamental, o de manter o estado de alerta enquanto a pessoa passa pela rua, de forma que consiga observar mais atentamente o que ocorre ao seu redor e em caso de ameaça se coloque num comportamento de fuga. O corpo dessa pessoa se prepara para defendê-la ou protegê-la. Nesse caso, o medo ajudou para colocar a pessoa em alerta durante o trajeto na rua. No entanto, ao chegar em casa a pessoa consegue se sentir mais aliviada, afrouxa o estado de alerta e retoma seus afazeres. A pessoa se autorregulou naturalmente.

Exemplo 2. Imagine uma pessoa dirigindo num dia de trânsito e sofre uma fechada      de alguém. A pessoa nesse caso se assusta e depois de sentir muita raiva; sente o corpo ferver por dentro e imediatamente sente vontade imensa de sair atrás de quem a fechou. No entanto, por um instante consegue parar e fazer uma respiração profunda que a faz repensar o destino para o qual estava indo e a ajuda a se reorganizar para seguir o seu caminho.

Nesse caso, ainda que a pessoa sentisse raiva, não agiu no impulso. A pessoa conseguiu dar um espaço entre o impulso e a ação à medida que respirou profundamente e redirecionou seu foco atencional para o que de fato importava, avaliou com clareza a realidade e percebeu que estava tudo bem, sem nenhum prejuízo físico ou danos materiais.  Assim, conseguiu se acalmar e com consciência, retomou o seu destino inicial. Agir pela emoção nesse caso, poderia piorar as coisas.

Exemplo 3: Imagine que seu chefe vive pedindo para que você fique até mais tarde no serviço. Num certo dia em que você se programou para ver seu filho se apresentar na escola, seu chefe pede para ficar até mais tarde novamente. Com isso você se sente muito irritado e cria coragem para dizer um NÃO e consegue dessa forma, sinalizar limites ao chefe e inclusive o faz repensar a relação com o chefe e até o próprio emprego.

Em qualquer um dos exemplos, percebe-se que naturalmente, em algum momento, houve um redirecionamento para ações mais adaptativas para as realidades referidas.

A regulação emocional refere-se a nossa capacidade de inibir o comportamento impulsivo ou inapropriado relacionado as emoções intensas e de nos acalmarmos para nos reorganizarmos e redirecionarmos o nosso foco atencional para as ações mais adaptativas, rumo aos nossos objetivos. Isso implica em habilidades para identificar e compreender a nossa experiência emocional e a utilizar estratégias saudáveis para manejar as emoções quando necessário.

A regulação emocional acontece num processo natural, mas também pode ser aprendido, pois, existem pessoas que conseguem fazer isso mais habitualmente e outras não.

Desregulação Emocional­­­

Ainda utilizando o exemplo da pessoa que sofre uma fechada no trânsito, vamos pensar ­­num outro possível desfecho para o caso. Imagine que a pessoa siga o impulso de se defender como se tivesse sofrido muitos danos sem ao mesmo avaliá-los e com isso, se altere bastante, xingue muito o outro motorista e chegue ao ponto de segui-lo com o carro para “devolver” a fechada. Como se não bastasse, a pessoa ainda rumina essa situação ao longo do dia e não consegue se concentrar em seus afazeres.

Nesse exemplo, observamos que a pessoa agiu pelo impulso em resposta ao seu estado emocional alterado; não conseguiu pensar que ao seguir o outro motorista poderia piorar as coisas ou se acidentar de fato e ainda não conseguiu mudar seu foco atencional para se reorganizar e seguir com suas atividades do dia.

A desregulação emocional refere-se à incapacidade, mesmo quando nos esforçamos muito, em alterar ou regular alguma emoção ou impulso (Linehan,M.; 2018), num determinado momento.

Vamos considerar que existem níveis de desregulação emocional e um deles diz respeito a um padrão de desregulação emocional global ou generalizado.

Esse tipo de desregulação, ocorre quando a incapacidade de alterar ou regular gatilhos emocionais, se manifesta em uma ampla gama de emoções, problemas e contextos e isso leva a comportamento mal-adaptativos como por exemplo o   comportamento impulsivo e compulsivo, autolesão, abuso de substâncias químicas. Esses comportamentos funcionam para regular as emoções de uma forma muito desadaptativa ou são uma consequência da falha na regulação emocional.

A desregulação emocional não caracteriza um transtorno mental, mas pode ser uma condição presente em alguns transtornos psicológicos como o transtorno de personalidade borderline, transtorno de estresse pós-traumático, depressão maior, transtorno afetivo bipolar, ansiedade, transtornos alimentares.

Características da desregulação emocional:

    • Excesso de experiências emocionais dolorosas,
    • Incapacidade de regular a ativação e excitação emocional intensa,
    • Dificuldades para redirecionar o foco atencional para além dos sinais emocionais percebidos,
    • Distorções cognitivas – falhas no processamento de informação,
    • Comportamento impulsivos relacionados a fortes emoções tanto positivas quanto negativas,
    • Os objetivos de vida se tornam dependentes do humor e oscilam conforme a ativação ou excitação emocional.
    • Tendência a paralisar ou dissociar sob estresse muito elevado.
    • A desregulação emocional também pode se apresentar na forma de excesso de controle ou supressão emocional – baixa emocionalidade positiva. 

    (por Linehan, 2018)                                                                                                                                                 

    Como se desenvolve a desregulação emocional

    Aqui vou me referir a Teoria Biossocial da desregulação emocional apresentada por Marsha Linehan.

    A desregulação emocional generalizada se origina do desfecho entre a disposição biológica do indivíduo, o contexto ambiental invalidante e a transação entre eles ao longo do desenvolvimento.

    Vamos falar sobre os fatores biológicos da desregulação emocional.

    As pessoas que possuem esse padrão de desregulação emocional, apresentam uma vulnerabilidade emocional que compreende as seguintes características:

    1. Sensibilidade emocional elevada: essas pessoas são mais sensíveis aos estímulos emocionais e reagem mais rapidamente.
    2. Alta reatividade emocional: experimentam e expressam intensamente a emoção e essa alta excitação desregula os processos cognitivos.
    3. Experimentam uma excitação fisiológica de longa duração, com retorno lento à linha de base (pode durar horas ou dias).

    Com relação ao contexto ambiental, cuidadores e pais muitas vezes não sabem lidar com a criança altamente sensível emocionalmente e acabam invalidando suas experiências emocionais ou ainda, não conseguem ensiná-la a se autorregular. Quando os cuidadores persistem em falhar nesse sentido, isso pode se tornar um grande problema, pois a criança não tem suas necessidades emocionais atendidas e isso volta para a criança e intensifica suas respostas desadaptativas ao ambiente.

    Um ambiente pode se tornar extremamente invalidante, quando existe situações de abuso e negligência aos cuidados básicos físicos e emocionais da criança ao longo dos anos.

    Consequências da Desregulação Emocional

    A vulnerabilidade biológica reflete dificuldades com a regulação emocional e isso impacta diretamente na dificuldade da pessoa regular também a maioria das áreas de sua vida.

    • Essas pessoas acabam apresentando problemas em suas relações interpessoais devido a suas reações instáveis e intensas;
    • Apresentam dificuldades em sustentar projetos de longo prazo,
    • Apresentam instabilidade na própria identidade, pois a maneira como se veem fica muito enviesada com as lentes da emoção do momento.

    Tratamento

    A Terapia Comportamental Dialética – TCD, apresenta fortes evidências no tratamento da desregulação emocional e tem como proposta:

    • Promover a autoconsciência emocional.
    • Apresentar ferramentas para o desenvolvimento de habilidades que auxiliem no manejo e autogerenciamento das emoções.
    • Desenvolver habilidades para lidar com as emoções difíceis.
    • Ampliar repertório para maior efetividade nos relacionamentos interpessoais.
    • Desenvolver habilidades que ajudem a tolerar impulsos e fatos dolorosos quando não se pode melhorar as coisas imediatamente.

    Temos também a Terapia do Esquema (TE) desenvolvida por Jeffrey Young que é uma abordagem integrativa e estruturada que mescla intervenções e técnicas de outras modalidades psicológicas.

    A TE é bastante indicada para pacientes com transtornos psicológicos crônicos e que podem apresentar a desregulação emocional.  

    Como aprender a se autorregular se muitos desses pacientes possuem dificuldades em estabelecer vínculos de confiança e não permitem acessar experiências sensíveis emocionalmente?    

    A relação terapêutica é um componente vital na TE durante todo o processo, o que viabiliza ao paciente uma condição especial para estabelecer um vínculo de confiança.

    Um dos elementos chaves que integra a TE são as técnicas vivenciais que colaboram para que o paciente acesse suas experiências emocionais e identifique necessidades emocionais básicas. O diferencial na Terapia do Esquema, é que o profissional é preparado para proporcionar um espaço seguro e acolhedor para isso.

    No entanto, o melhor tratamento sempre será àquele que estiver alinhado com o nível de complexidade do transtorno psicológico e da desregulação emocional e em acordo com a escolha do paciente em realizá-lo. 

    Papel do psicólogo

    Importante lembrar que a regulação emocional consiste num conjunto de habilidades que podem ser aprendidas.

    É preciso uma avaliação inicial para a verificação do grau de desregulação emocional e complicadores nas áreas de funcionamento da pessoa.

    O profissional especialista no atendimento para esse público, possui embasamentos teóricos e técnicos para intervenções cabíveis para cada caso em particular. 

    Espero que esse conteúdo tenha acrescentado algo para você!

    Vou deixar algumas referências que utilizei para você consultar, caso queira se aprofundar mais.

    Fico à disposição para esclarecer dúvidas e trocar ideias.

    Algumas referências:

    DBT Brasil: Teoria biossocial: regulação e desregulação emocional. Disponível em: https://dbtbrasil.com/2022/06/regulacao-e-desregulacao-emocional/

    Young, Jeffrey E. Terapia do Esquema: Guia de técnicas cognitivo-comportamentais inovadoras. Artmed Editora, 2008.

    Koerner, Kelly. Aplicando a terapia comportamental dialética: um guia

    Prático. Sinopsys Editora,2020.

    Leahy, Robert L. et al. Regulação Emocional em Psicoterapia: um guia para o terapeuta cognitivo-comportamental. Artmed Editora, 2013.  Linehan, Marsha. Terapia Cognitivo-Comportamental para Transtorno da Personalidade Borderline: Tratamentos que Funcionam: Guia do Terapeuta. Artmed Editora, 2018.

    Para você que quer saber e aprender sobre as emoções de um jeito muito simples e fácil, eu indico algumas leituras infantis, até porque tem a melhor linguagem para a aprendizagem.

    Pereira, Cristina N. et al. Emocionário: Diga o que você sente. Sextante Editora, 2018.

    Allen, Vanessa G.; Lemos, Rafaella. Eu e meus sentimentos: Um guia para as crianças entenderem suas emoções e aprenderem a se expressar. Sextante Editora, 2020.

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